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PROVIMENTO Nº 10/2015/ CGJUS/TO

 

Dispõe sobre a lavratura de escritura pública de declaração de união estável homoafetiva e sua conversão em casamento, no âmbito dos cartórios de serviços notariais e de registros do Estado do Tocantins.

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Eurípedes Lamounier, Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Tocantins, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que a Constituição Federal estabelece o respeito à dignidade humana e a isonomia de todos perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, inclusive de sexo, conforme os princípios explícitos no art. 1º, inciso III e no art. 5º, caput e inciso I;

CONSIDERANDO que o Código Civil, no artigo 215, autoriza a lavratura de escritura pública, como documento dotado de fé pública, para fazer prova plena dos fatos nela articulados;

CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF nº 132-RJ e da ADI nº 4.277-DF, sob a relatoria do Ministro Ayres Britto, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição Federal, para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família;

CONSIDERANDO orientação emanada do julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.183.378, do Estado do Rio Grande do Sul, em que se reconheceu, por maioria de votos da Quarta Turma, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, a viabilidade jurídica da habilitação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo;

CONSIDERANDO a recente edição, pelo Ministério da Previdência Social, da Portaria MPS nº 513, de 9 de dezembro de 2010, estabelecendo que, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, os dispositivos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que tratam de dependentes para fins previdenciários, devem ser interpretados de forma a abranger a união estável entre pessoas do mesmo sexo;

CONSIDERANDO, ainda, o requerimento da Defensoria Pública do Estado do Tocantins, por seu NÚCLEO DE DIVERSIDADE SEXUAL (NUDIS), que deu ensejo ao Processo Administrativo nº 15.0.000007028-6, no qual se verifica solicitação formulada apontando para a necessidade de regulamentação e uniformização dos atos notariais e de registro relativos à matéria;

CONSIDERANDO o atual movimento de normatização da matéria no âmbito das Corregedorias Gerais da Justiça de outros Estados da Federação;

CONSIDERANDO a necessidade de fixação de critérios e orientações tendentes à uniformização do procedimento a ser adotado pelos notários e registradores deste Estado, quando da lavratura de escrituras públicas de declaração de união estável homoafetiva e, ainda, quando da realização da conversão de união estável homoafetiva em casamento;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º. Caberá às Serventias Extrajudiciais do Estado do Tocantins a lavratura de escrituras públicas de declaração de união estável homoafetiva, entre pessoas, plenamente capazes, do mesmo sexo.

Art. 2º. A escritura será lavrada como instrumento de prova para as pessoas do mesmo sexo, que vivam uma relação de fato, contínua e duradoura, em comunhão afetiva, estabelecida com o objetivo de constituição de família, nos termos do art. 1.723 do Código Civil, com ou sem compromisso patrimonial, legitimando o relacionamento, comprovando seus direitos e disciplinando a convivência de acordo com seus interesses.

Art. 3º. A união estável homoafetiva deve ser reconhecida como entidade familiar, servindo a escritura como prova de dependência econômica, constituída para os efeitos administrativos de interesse comum perante a previdência social, entidades públicas e privadas, companhias de seguro, instituições financeiras e creditícias e outras similares.

Art. 4º. As partes devem declarar e comprovar, mediante documento hábil, original ou em cópias autenticadas, no ato da lavratura da escritura, que são absolutamente capazes, indicando seus nomes e as datas de nascimento e que não são casadas, sob as penas da lei.

§ 1º. Para a prática do ato a que se refere o caput deste artigo, as partes poderão ser representadas por procurador, desde que munido de procuração pública com poderes específicos para o ato, outorgada no máximo há 90 (noventa) dias.

§ 2º. Na escritura pública de declaração de união estável homoafetiva, deverão as partes declarar expressamente que:

I – não incorrem nos impedimentos do artigo 1.521 do Código Civil, salvo quanto ao inciso VI, quando a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente;

II – não são casadas ou que não mantêm outro relacionamento com objetivo de constituição de família.

Art. 5º. A escritura pública declaratória de união estável homoafetiva conterá os requisitos previstos no § 1º do art. 215 da Lei Federal n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), sem prejuízo de outras exigências legais.

Art. 6º. Na lavratura da escritura, deverão ser apresentados os seguintes documentos, que deverão ser mencionados no respectivo ato:

I – documento de identidade oficial e CPF das partes;

II – certidão de nascimento, quando se tratar de pessoa solteira, ou, então, certidão de casamento, com averbação da separação judicial ou do divórcio, se for o caso, expedida, no máximo, há 90 (noventa) dias, de ambos os conviventes;

III – certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos;

IV – documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver, bem como de semoventes.

§ 1º. Os documentos apresentados no ato da lavratura devem ser originais ou em cópias autenticadas, salvo as certidões previstas no inciso II deste artigo, que serão sempre originais.

§ 2º. As cópias dos documentos apresentados serão arquivadas em pasta própria de documentos de escrituras públicas de declaração de união estável homoafetiva.

Art. 7º. A escritura pública deverá fazer menção aos documentos apresentados e ao seu arquivamento, microfilmagem ou gravação por processo eletrônico.

Art. 8º. Na escritura pública de declaração de união estável homoafetiva, as partes poderão deliberar sobre as relações patrimoniais, nos termos do art. 1.725 do Código Civil.

Art. 9º. Havendo bens, distinguir-se-á o patrimônio individual e o patrimônio das partes, podendo os declarantes estabelecer acerca daqueles bens que forem adquiridos como acréscimo principal na constância da convivência, a exemplo das aquisições de imóveis, móveis, direitos, créditos, ações, investimentos, e que ficarão na esfera patrimonial comum, susceptíveis de comunicação e divisão.

Art. 10. Havendo transmissão de propriedade do patrimônio individual de um convivente para o outro, deverá ser comprovado o recolhimento do tributo devido sobre a fração transferida.

Parágrafo único. O recolhimento dos tributos mencionados no caput deste artigo deve anteceder à lavratura da escritura.

Art. 11. Quanto aos bens, recomenda-se proceder da seguinte forma:

I – se imóvel urbano, descrição pormenorizada, com prova de domínio por certidão de propriedade atualizada, observando-se eventuais ônus reais e interesses de terceiros, com menção expressa à sua precisa localização e ao número da matrícula;

II – se imóvel rural, descrição pormenorizada, com prova de domínio por certidão de propriedade atualizada, observando-se eventuais ônus reais e interesses de terceiros, além de caracterização, de acordo com o registro imobiliário, havendo, ainda, necessidade de apresentação e menção na escritura do Certificado de Cadastro do INCRA e da prova de quitação do imposto territorial rural, relativo aos últimos cinco anos, nos termos do artigo 22, e §§, da Lei Federal nº 4.947/66;

III – em caso de imóvel descaracterizado na matrícula, por desmembramento ou expropriação parcial, o Tabelião deve recomendar a prévia apuração do remanescente;

IV – quanto a imóvel com construção ou aumento de área construída, sem prévia averbação no registro imobiliário, é recomendável a apresentação de documento comprobatório, expedido pela Prefeitura e, quando for o caso, CND-INSS;

V – em caso de imóvel demolido, com alteração de cadastro de contribuinte, de número do prédio, de nome de rua, fazer menção, no título, da situação antiga e da atual, mediante apresentação do respectivo comprovante;

VI – tratando-se de bem móvel, apresentar documento comprobatório de domínio e valor, se houver, descrevendo-os com os sinais característicos;

VII – com relação aos direitos relativos à posse, deve haver precisa indicação quanto à sua natureza, com suas determinações e especificações;

VIII – semoventes serão indicados em número, espécies, marcas e sinais distintivos;

IX – dinheiro, jóias, objetos de metais e pedras preciosos serão indicados com especificação da qualidade, peso e importância;

X – ações, direitos creditícios e títulos também devem ter as devidas especificações;

XII – dívidas ativas especificadas, inclusive com menção às datas, títulos, origem da obrigação, nomes dos credores e devedores;

XIII – a cada bem patrimonial deverá constar o respectivo valor atribuído pelas partes, além do valor venal, quando imóveis;

Parágrafo único. Ônus incidentes sobre os imóveis não constituem impedimento para lavratura da escritura pública.

Art. 12. Se um dos conviventes possuir herdeiros, deverão ser obedecidas as limitações quanto à disposição dos bens segundo as normas pertinentes, sobretudo o Código Civil.

Art. 13. Não há sigilo no ato de lavratura da escritura de que trata este provimento.

Art. 14. O valor da escritura de declaração de união estável homoafetiva corresponderá ao estabelecido na Lei Estadual n.º 2.828/2014, de 12 de março de 2014, e eventuais alterações, utilizando-se os critérios fixados na Tabela de Emolumentos das Serventias Extrajudiciais.

Art. 15. O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura pública de declaração de união estável homoafetiva, se houver fundados indícios de prejuízo para uma das partes, ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito.

Art. 16. A escritura pública pode ser retificada, desde que haja o consentimento de todos os interessados.

Art. 17. Os erros materiais poderão ser corrigidos, de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes, por averbação à margem do ato notarial ou, não havendo espaço, por escrituração própria lançada no livro das escrituras públicas.

§ 1º. Apenas podem ser considerados como erros materiais:

I – omissão ou erro cometidos na transposição de qualquer elemento dos documentos apresentados para lavratura da escritura que constem arquivados, microfilmados ou gravados por processo eletrônico na serventia;

II – correção de mero cálculo matemático;

III – correção de dados referentes à descrição e caracterização de bens individuados na escritura;

IV – inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais,

§ 2º. Havendo necessidade de produção probatória para fins de demonstração do erro apontado, a escritura pública somente poderá ser retificada mediante determinação judicial.

Art. 18. Uma vez lavrada a escritura pública declaratória de união estável homoafetiva, poderão os conviventes realizar, no serviço de registro de imóveis, os seguintes atos:

I – registro e instituição de bem de família, nos termos do artigo 167, inciso I, item 1, da Lei Federal n.º 6.015/1973;

II – averbação, na matrícula, da escritura pública declaratória de união estável homoafetiva, nos termos do artigo 246, caput, da Lei de Registros Públicos.

Parágrafo único. Para prática do ato mencionado no caput deste artigo, deverá ser apresentada escritura pública de declaração de união estável homoafetiva.

Art. 19. A conversão em casamento de união estável homoafetiva anteriormente escriturada, ausentes todos os impedimentos constantes do art. 1.521 do Código Civil, poderá, a qualquer tempo, ser requerida pelos conviventes ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais da circunscrição do seu domicílio.

Art. 20. Para verificar a inexistência dos impedimentos, a que alude o art. 1.521 do Código Civil, e o regime de bens a ser adotado no casamento, o Oficial do Registro Civil iniciará processo de habilitação, com a publicação de edital de proclamas, que deve fazer referência à conversão de união estável homoafetiva em casamento, ouvido o Ministério Público.

Parágrafo único. Em havendo impugnação, observar-se-á o disposto no parágrafo único do art. 1.526 do Código Civil.

Art. 21. Uma vez habilitados os requerentes, e decorrido o prazo legal do edital, sem aparecer quem oponha impedimento, será lavrado o assento da conversão de união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio.

Art. 22. O assento da conversão de união estável em casamento será lavrado no Livro B, conterá os requisitos do art. 1.536 do Código Civil, exarando-se o determinado no art. 70, 1º ao 10º, da Lei de Registros Públicos, sem a indicação da data da celebração, o nome e assinatura do presidente do ato, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento, tal como regulado no art. 8º da Lei Federal n.º 9.278, de 10 de maio de 1996.

Art. 23. Constará obrigatoriamente no assento do registro civil de casamento, realizado a partir da conversão de união estável homoafetiva anteriormente escriturada, a data constante da lavratura da escritura pública de declaração de união estável homoafetiva.

Art. 24. Os cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais do Estado do Tocantins deverão receber os pedidos de habilitação para casamento de pessoas do mesmo sexo, procedendo na forma do art. 67 da lei nº 6.015/73.

Parágrafo único. Mesmo na hipótese de não haver impugnação pelo Órgão do Ministério Público ou, ainda, oposição de impedimento por terceiro, na forma prevista no § 3º do art. 67 da Lei 6.015/73, os autos deverão ser, imediatamente, encaminhados ao Juiz que decidirá sobre o pedido de habilitação.

Art. 25. O Casamento entre pessoas do mesmo sexo será lavrado e registrado no Livro B, observadas as prescrições e os impedimentos contidos no Código Civil e na Lei 6.015/73.

Art. 26. Este Provimento entra em vigor na data da sua publicação, revogando-se o Provimento nº 12/2005/CGJ/TO.

REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE E CUMPRA-SE. GABINETE DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA, aos vinte e dois dias do mês de julho do ano dois mil e quinze (22/07/2015).

Documento assinado eletronicamente por Eurípedes LamounierCorregedor-Geral da Justiça, em 22/07/2015, às 18:01, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006.

Este texto não substitui o publicado no DJe nº 3625 de 24/07/2015 Última atualização: 27/07/2015